domingo, março 11, 2007

Incompleta

Se você não gosta de leite gelado com chocolate granulado, eu adoro. Se o seu paladar recusa um prato com banana e salsicha cortadas em rodelas, o meu degusta com prazer essa refeição. Se você acha estranho tomar banho na água fria e lavar o cabelo na água morna, tudo bem. Minha pele e cabelo agradecem quando faço isso.
Não gosto de café, de assistir televisão com várias pessoas, nem dormir de meias. Mas adoro suco de acerola sem açúcar, futebol na TV aos domingos e ficar de pijama o dia todo. Detesto a arrogância do olhar felino e os seus intermináveis banhos de língua. O que eu gosto mesmo é de passar horas conversando com meu cachorro – mesmo que sejamos incomunicáveis – e de me molhar inteira com aquela chacoalhada imprópria quando lhe dou banho.
Adoro o calor da Bahia, mas nada melhor do que uma noite geladinha esquentada por uma caneca de chá quente, bem à moda gaúcha. As cores intensas de Tarsila me seduzem. Mas a sobriedade do preto Chanel parece deixar tudo mais elegante. Choro vendo filme, final de novela ou com uma carta de amor – mesmo que não seja para mim. No entanto, os problemas alheios me são indiferentes quando a minha sensibilidade está afetada pelos meus.
Gosto do que é bom, bonito e quase sempre, consequentemente, caro. Não sei fingir que está tudo bem se o lugar não é bem decorado, a música é ruim, as pessoas mal vestidas e a cerveja, barata, quente. Minha insatisfação, explicitada na expressão mal humorada, soa antipatia. Em contrapartida, faço o possível para agradar e divertir as pessoas que convido para sair comigo.
Vivo no século XXI, mas ainda acho o realismo a melhor escola literária que a humanidade já produziu. Ouço Chico Buarque apenas porque queria ser aquela mulher que fala pela sua poesia. Adoro Madonna e Michel Jackson, pois com eles consigo fazer uma das coisas que mais me dão prazer: dançar. Não gosto de rock progressivo, de música eletrônica fora do contexto balada e faço da new age o meu melhor sonífero. Acho lindo o carnaval carioca, adoro muros grafitados e outdoor para mim não é poluição visual.
Ainda acho que ler jornais ainda é uma das melhores formas de se manter desinformado. Adoro os comerciais e, na minha opinião, a publicidade é quem faz a verdadeira comunicação social. Leio revistas femininas, adoraria me enquadrar nos padrões estéticos e acho que o discurso feminista parou no tempo em que a mulher brigava para não ser apenas dona de casa.
Não tenho ideologia. E acho que hoje quem diz que tem, mente. Desconfio dos discursos politicamente engajados, dos socialmente preocupados e moralmente bem resolvidos. Sou consumista de roupas da moda, radicalmente contra a legalização da maconha e a minha desilusão com a política nacional não foi ratificada pelo esquema do mensalão(?). Hipocrisias, opiniões rasas e histerias coletivas não me comovem.
Acredito nas ações silenciosas, porém concretas. O planeta está esquentando, a maioria da população mundial continua abaixo da linha da pobreza e manifestações, faixas, bandeiras ficam bem apenas ilustrando jornais. Para mim, enquanto não houver transformação interior não sairemos do “platonismo” de um mundo melhor.
Corro constantemente atrás da perfeição – embora ela ainda seja mais veloz e esteja a anos luz do meu alcance – e exijo o mesmo de quem se dispõe a trabalhar comigo. Acho que falta de profissionalismo e incompetência são dois dos grandes males da humanidade e tenho pavor só de pensar que em ser afetada por eles.
Não sei perdoar, guardo mágoas e não acredito que minha gastrite seja conseqüência dos meus ressentimentos. Também não sei amar, porque sempre amo exageradamente e o meu protecionismo excessivo acaba sendo confundido com possessividade e dependência.
Gostaria de ser menos falante, menos romântica, menos chata. Tento ser o mais óbvia possível porque o simples e evidente não precisa de psicanalista e não desagrada ninguém. Para mim e para os outros que dividem sua convivência comigo seria tudo mais fácil.
Talvez fosse possível me compreender se eu dissesse que “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Mas ainda não sou por completo. E para ser preciso me buscar, percorrer meus caminhos desconhecidos. É o que tenho feito. Por isso, deixo todos avisados: Não estou. Não estarei por um bom tempo. E “se alguém por mim perguntar, diga que eu só vou voltar quando eu me encontrar”.