segunda-feira, novembro 30, 2009

E não ter a vergonha de ser feliz


Não sei se minha casa encolheu ou se minhas tranqueiras aumentaram, mas o fato é: meu quarto está pequeno. Eu devo ser claustrofóbica, por isso toda vez que bate a sensação de espaço ultra-mega reduzido me dá vontade de jogar tudo fora e deixar só as coisas essenciais: roupas e cama.
Sábado fui tomada por essa angustia sufocante e fiz uma faxina geral nos meus papéis. Isso é recorrente, porém sempre há o que eliminar.
Quando digo geral, foi geral mesmo. Até a carteirinha escolar da segunda série eu achei. Encontrei também uma prova de estatistica do colégio (nota 5,75), um poster do Norusca campeão da série A-2 e uma sacolinha com 3 agendas.

As 3 agendas.

Uma delas, espiralada, é do ano de 1997. O tema da capa é Os 101 Dalmatas - que deve ter sido o filme de sucesso nessa época. No verso da primeira página, em letras de forma garrafais, um trecho de Andrea Doria "Nada mais vai me ferir é que eu já me acostumei". Nas outras páginas declarações de amizade como "Vc é D+!!!" "Amigas para sempre!!!"  e  um texto em código. Nuvens, sol, flores e raios que depois de 12 anos são tão indecifráveis quanto morse. Lá no fim, um texto auto-biográfico que diz:
"O meu lugar não é aqui. Sou apenas uma reprodução ou um simulacro. Não sou eu e não consigo sê-lo. Quero gritar, quero calar, quero cegar e reaprender a enxergar o mundo como ele é. Ou como eu quero que ele seja. Mas estou presa. Limitada por uma vontade alheia. Sou mais do que estou. E se for assim, não quero mais."
(hein!?)

Enfim...

A outra agenda parece um caderno de brochura e eu encapei com uma montagem que fiz com algumas imagens de revista. Não sei por que, aquela foto antológica da explosão nuclear de Hiroshima é a imagem que estampa o centro da capa. (Não sei mesmo! Extremo mau gosto...). No interior páginas brancas, escritos em cinza claro, e muitas, muitas poesias, textos, músicas, corações feitos a canetinha. O ano é 1998. E ali está gravada em muitas palavras (nessa época eu falava menos e escrevia muito mais..) a minha primeira paixão. O Rafa é o cara. O cara de 15 anos por quem me apaixonei aos 14. Rendeu namoro, o lance foi sério. Tanto que nessa agenda de 98 só tem isso. A exceção é a página do dia 18/12 onde registrei "Corinthians grande, sempre altaneiro, és do Brasil, o Clube mais brasileiro!!!!  Coringão Bi-Campeão!!!!". Fora isso, só o Rafa, que era, como nós mesmos escrevemos na página do dia 31/12: Amor para a vida toda! 
(Rá!)

Por fim a terceira agenda. Capa aveludada em bordô, sóbria (meio cafona também...). Em seu interior anotações de compromissos, basicamente. É de 2005. Em 2005 eu entrei na faculdade, comecei trabalhar e tinha um relacionamento mal resolvido para administrar (não, não era o Rafa...). Nessa fase da vida eu já tinha percebido que a estrada errada da Andrea Doria era muito mais lirica do que a oposta que eu estava seguindo. Também ja tinha percebido que amor para a vida toda é muito tempo. E que eu sou bem menos capaz de me opor ao mundo do que supunha em 1997.

A adolescencia é uma fase linda da vida. E a gente só percebe isso quando ela acaba de vez. Os conflitos psicológicos, o descontentamento com o fisico, as paixões avassaladoras, as amizades intensas tudo isso faz parte de um pacote que eu chamaria de "Pré-vida". É nessa fase onde a gente é tudo, pode tudo e sabe tudo, mas o mundo não nos compreende ou aceita, que aprendemos a lidar com os sentimentos que vão fazer parte da fase seguinte. As frustrações, as euforias, as paixões, as tristezas, tudo é sentido com intensidade e sem pudores. Experimentamos esses sabores com a mesma ansiedade que devoramos um sorvete de chocolate com cobertura de morango. Com o passar dos anos vamos aprendendo a manipular nossa espontaneidade em função daqueles mesmos padrões sociais, morais e convencionais que, na adolescência, não entendiamos muito bem, mas sabiamos que não eram nada legais. ("Mó prego...")

Voltando a limpeza...
As três agendas, assim como um livro do Sidney Sheldon - não faço idéia de como isso veio parar aqui... - foram para o lixo. Não vejo muito sentido em guardar essas coisas (sim, o 4º R...). E também se eu tiver filho, meu pequeno vai achar tudo isso muito patético - e eu vou concordar com ele. Mas antes de jogar a terceira agenda, eu ainda revistei mais uma vez para ver se encontrava algo perdido entre as páginas já grudadas pelo tempo. Além do ticket do show do Luiz Melodia, eu encontrei, escrito a lápis, numa página aleatória - dia 15/12 - palavras que eu jamais ousaria dizer quando tinha 15 anos...

"Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz. Eu sei que a vida devia ser bem melhor e será. Mas isso não impede que eu repita: é bonita, é bonita e é bonita."