segunda-feira, dezembro 25, 2006

Já?

Qual sugestão você me dá para o dia 31 de dezembro? Não. Não quero saber se você acha melhor eu passar o reveillon vestida de amarelo ou vermelho. Se bem que a combinação entre os dois seria interessante. Ando precisando de grana e de paixão. Mais de grana do que paixão. Ou os dois na mesma proporção. Não sei. Aliás, não é essa sugestão que eu quero. Preciso decidir qual a melhor forma de exorcizar o meu fracasso. Sim! O ano está acabando e o balanço final dos 361 dias que já passaram é bastante negativo. Vou terminar 2006 em déficit comigo.
Não é exagero. Veja só: a poucos dias de terminar o ano, era para eu estar com o corpo da Naomi Campbell. Tudo bem, não tenho pernas longas como as dela. Mas ela também não tem barriga, celulites e estrias como eu. No dia 1º de janeiro jurei entrar numa academia, suspender definitivamente chocolate e carne vermelha da minha vida e jamais, em hipótese alguma tomar cerveja e refrigerante. Só essa semana fui em dois churrascos, bebi – sendo bastante otimista – uns 4 litros de cerveja e pelo menos a um terço disso de guaraná. Nas academias só entrei para perguntar o valor da mensalidade e achei caro, óbvio. Que péssimo...
Quesito relacionamento: nota ZERO!!!! Em 2006 o propósito era: caras solteirões, meninos com menos de 20 anos e rapazes (mesmo que fossem bonitos, inteligentes e heterossexuais) com namoradas ou comprometidos de qualquer outra forma, N-Ã-O!!! De certa forma consegui me manter firme nesse propósito. Não é mentira. De certa forma, eu disse. Claro que não consegui ficar completamente imune a esses tipos. Também, olha a situação: na balada, cantada de garotos com espinha no rosto e aparelho ortodôntico; nos bares com música agradável e boa bebida, lésbicas carentes a procura de companhia; na faculdade, os caras mais interessantes fazem artes e namoram entre si; no trabalho, ergh!!!! Mas pelo menos não me apaixonei por nenhum deles. Nota cinco, vai.
Não tive dinheiro para voltar – pela 5ª vez – ao terapeuta. Por isso meu conflito vocacional permanece intacto. Mas descobri uma coisa interessante. Acho que sou boa massagista (e não me pergunte como eu descobri isso...). Massoterapia pode ser o caminho. Gosto da parte organizacional de eventos também. No entanto, não estou disposta a carregar o estigma de ser RP. Sou boa ouvinte. Adoro quando meus amigos lembram que podem confiar em mim e revelar seus maiores dramas pessoais ou suas histórias mais bizarras. Psicóloga? Não ria. Sei que no momento eu preciso de um, mas futuramente, por que não? Enfim...só tenho certeza que gastronomia jamais. Hoje tentei pela enésima vez fazer arroz. Definitivamente fogão não é para mim.
Esperava trabalhar em 2006. Na verdade eu precisava, e muito, trabalhar em 2006. Consegui. Não é exatamente o que eu pretendia, mas hoje sou uma assalariada. Como 99,5% da população brasileira, mal paga, claro. E desorganizada também. Tudo o que planejei fazer com o que ganho não consegui. Carro? Viagem nas férias? Nada disso. Conta no vermelho, grana da família para completar a renda e algumas dívidas idiotas. Outras necessárias (toda mulher precisa, um dia pelo menos na vida, comprar “aquela” sandália mesmo que ela custe 150 reais!!! E isso não é futilidade...). Em suma, 2007 vai ser muuuuuuito “especial” para mim.
Então...O que acha? Dá para ser feliz assim??
Ah, não finja que está chorando. Também não precisa debochar.
Por isso sou totalmente contra fazer planos para o ano seguinte. Sou totalmente contra, mas faço. Minha listinha para 2007 já está pronta. Quando não se consegue cumprir o que planejou a sensação de fracasso é inevitável? Sim, é. Mas ano bom não é aquele em que se executam os itens do cronograma e sim aquele cheio de improvisos. Me diga: Você esperava viver todas as situações que viveu?
Certamente alguém partiu, você chorou, a grana não deu, engordou, terminou relacionamento, sofreu. Gargalhou, vibrou com o time, reencontrou amigos, conheceu pessoas incríveis, consolidou amizades, se apaixonou, teve uma transa casual...
Foi ruim. Foi bom.
Valeu a pena?? Claro!!! Tudo vale, olha sua alma!!!
Drummond fez muito bem ao reconhecer a genialidade de quem teve a idéia de cortar o ano em fatias. Viver é tarefa árdua e o término de cada ano é o momento de dar aquela pausa para ir ao banheiro, fazer um lanchinho e depois recomeçar.
A listinha? Não vou jogar fora. Aconselho que faça o mesmo. Planos são aquele empurrãozinho indispensável para não cairmos na acomodação de achar que não é preciso mais ter objetivos. Por mais banais que sejam é necessário que existam. Se eu não conseguir realizar todos? Sim, vou reclamar, vou fazer drama, mas logo vou lembrar, que apesar disso, dá para ser feliz, sim! Esse ano fracassei. Olha o tempo verbal...Passado, meu amor! Agora, o que importa é o que vem pela frente. Mais um ano, mais um recomeço, mais, mais, sempre mais.
Um brinde em todas as cores!!!
FELIZ ANO NOVO PARA TODO MUNDO!!!

segunda-feira, dezembro 18, 2006

A louca

A Carol, uma das melhores pessoas que eu já tive o prazer de conhecer em toda a minha existência, passou quase um mês falando que estava escrevendo um texto para mim. Eu esperava uma carta falando sobre nossa amizade, sobre as minhas crises existenciais e momentos legais - e nem tão legais assim - que vivemos juntas até aqui. Claro que, como sempre, a danada de me surpreendeu com um texto que exprime toda a delicadeza e sensibilidade daquela alma. Chorei sorrindo quando terminei de ler. Foi a melhor homenagem que eu já recebi.
Sim, ela é louca. Já falei para ela que ainda está em tempo dela desistir dessa amizade porque minha insanidade pode acabar contaminando todo aquele equilibrio. Mas ela insiste....que bom :)
Você já sabe, mas sempre me obriga a repetir: Eu amo você, minha amiga!
E mais uma vez obrigada por tudo.

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O nome da flor

O inverno seco e gelado castigava o verde da paisagem. Grama seca, árvores com galhos expostos, vegetação sem flores, uma bela paisagem apesar da fria aridez. Crec, crec. Passarinhos andam pelas folhinhas secas no chão. Desce e sobe, desce e sobe, um lago coberto pela bruma. As orquídeas da beira dormem profundamente, no meio do lago, um galho verde acinzentado, meio torto. Ah não, não é um simples galho, é um galho verde que sustenta o botão de uma flor. O botão se mexe um pouquinho, deve ser o vento.
- Que coisa esquisita! – diz um pato imigrante.
- Qué, qué, quééé – concordam os outros.
As orquídeas reclamam, ainda sonâmbulas:
- Esses patos não conseguem voar em silêncio!
- Não têm a mínima classe – comenta a orquídea mais velha abrindo só um olho. Apenas um olho foi suficiente para que a velha roxa enxergasse o galhinho no meio do lago – Que coisa estranha...
Os dias passavam silenciosos e o próprio vento invernal parecia expulsar o inverno: Vai, vai embooooora que a primavera está chegando... As flores acordavam aos poucos, junto com as árvores espreguiçavam-se, o fim do inverno é cheio de bocejos. A primavera chegara com suas tintas, carrega no verde da grama e das folhas, pincela as asas das borboletas e ao se misturar com a última chuva fria faz aparecer um lindo arco-íris e quando a última nuvem acabou de se jogar, imediatamente, o sol fez questão de secar as folhinhas para a primavera se instalar confortavelmente. A música estava no ar, a alegria dos pássaros, calmaria repleta de cantos. Só um detalhe destoava da paisagem: o botãozinho no meio do lago. A margarida comentou com o sapo:
- Olha só Joe, somente aquela plantinha ali não acordou.
- Joe, joe.
- Não, não pula nela não, parece muito sensível.
- Joe!
- Sapo teimoso, Joe! Volta aqui! Ai, como eu queria ter pernas!
A coruja que dormia acordou com a margarida gritando, olhou pela janela da árvore e viu Joe correndo feito louco em direção ao botãozinho adormecido. Voou em direção ao sapo que já estava a uma Vitória-Régia do alvo.
- Joe! Nãaaaaaaaaao!- gritou a Margarida.
A coruja foi certeira. Todos ficaram apreensivos: “É agora que o sapo vira comida!”. No entanto, para a sorte de Joe, dona Coruja é vegetariana e apenas soltou o sapo bem longe do botãozinho.
- Deveria ter deixado o Joe pular nela, assim ela acordaria, ou ele, sei lá! Estou tão curiosa pra saber o que é aquilo... – segredou uma das orquídeas.
Mesmo com a interferência da coruja, o botãozinho acordou. Silêncio no lago.
- JOE!
- Cala a boa seu sapo chato! – ralhou a Margarida.
A orquídea roxa inchou o peito para impor respeito e mostrar quem liderava as flores. O botãozinho tinha uma abertura muito pequeninha, era possível enxergar um miolo branco apenas.
- Eu sou a orquídea roxa! A mais velha das flores! Quem é você?
Olho arregalado.
- Buaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
- Ai meu Deus, ainda é um bebê!
- Incomum, muito incomum. É primavera! Deveria ser uma planta adulta já. Pelo miolo, imagino que seja uma flor.
- Buaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
Com o tempo, o botão crescia, no entanto, nada de flor. A primavera já estava derretendo de calor, as cores ficavam, aos poucos, mais quentes. Tanto calor fez a primavera ir embora, uma choradeira só! As orquídeas choravam abraçadas, a Margarida murmurava lamentos, a coruja desdenhava – Que exagero! Ela volta todo ano – o Joe só fazia – JOE! – E o botãozinho já começava falar, ao contrário de todos sentia-se bem melhor com a chegada do verão.
- Mas é claro, ela vive dentro da água! – dizia a Margarida.
De fato, viver dentro da água era muito bom. Mas não era a única boa sensação, não sabia o que era verão, só que o botãozinho estava radiante:
- Que clima mais agradável! Que luz dotosa!
- Não é dotosa criatura! É g-o-s-t-o-s-a! – dizia uma das orquídeas metidas.
- E essa luz, criatura, é o Sol! Sol!– completava a orquídea roxa enquanto todos riam em volta.
- Eu não sou uma criatura! Sou uma flor, posso sentir meu perfume!
- Perfume??? – questionou a Rosa que quase não falava – Perfume tenho eu cherie!
- Fiquem todas quietas! – ordenou a orquídea rainha – Humanos chegando!
- Huma o quê? – perguntou botãozinho
- Xxxxxxxiiiiiiiiiiiiiu!
Dois troncos sem copas se aproximavam do lago. Espera aí, não são troncos de árvore, são menores, de cor esquisita. Na parte inferior um deles usa algo azul, na superior algo branco. O outro, com coisas na cabeça, como raízes, usava florzinhas pelo corpo, todas simétricas, iguaizinhas! Ufa! Desviaram do lago, estão indo embora.
- O que são?
- São seres humanos botãozinho – respondeu a Margarida.
- E o que é ser humano?
- Eu sei lá, só sei que esses dois sempre aparecem por aqui. Às vezes sentam na beira do lago e ficam dizendo que somos lindas, perfumadas... Admiram a lua, as borboletas... Outro dia, a menina se assustou com o Joe...
- JOE!
- Menina? O que é menina?
- Menina, botãozinho, é aquele ser humano que tem cabelo e usa aquela roupas floridas. O outro é menino. Se bem que algumas andorinhas andaram cantando que existem diversos seres humanos, meninos de cabelos compridos, meninas de cabelos curtos...
E a Margarida contou tudo sobre os seres humanos para o botãozinho, a noite inteira! Botãozinho ficou fascinada. Dormiu e sonhou que era um deles, que podia andar por aí. O sonho foi interrompido por altas gargalhadas das orquídeas que apontavam e riam para botãozinho.
- O que foi? Por que vocês estão rindo?
- Reflete na água criatura!
- Aahhhh! O que é isso na minha cabeça?
- UMA pétala! Hauahauahauahauaha! Você só tem UMA pétala!
- JOE!
Antes que botãozinho começasse a chorar a Margarida tratou de distraí-la.
- Sabe botãozinho, já cansei de te chamar de botãozinho, precisamos arranjar um nome pra você.
- Mas ninguém tem nome aqui, só o Joe.
- JOE!
- Ah, o Joe não conta! As orquídeas receberam essa denominação das andorinhas e não querem saber de outros nomes, dizem que isso é coisa de humanos! Já eeeeu, sou a Margarida. E sabe quem me deu esse nome maravilhoso?
- Não.
- A menina! Ela chegou perto de mim, fiquei morrendo de medo, até perdi umas pétalas!
- Ela chegou perto e?
- Gritou: Olha só! Uma Margarida!!!!! Que liiiinda!
- Ah é???? Que legal! Será que ela não me dá um nome também?
- Huuuum... Não sei... Talvez você tenha que ser linda pra receber um nome, assim, que nem eu! – fez pose a Margarida.
Botãozinho ficou pensando, pensando. Ser linda? O que é ser linda? Ser igual às orquídeas? Ou igual à Margarida? Resolveu levar a dúvida para a orquídea roxa.
- Aaahh, sinto dizer criaturinha do lago, que você nunca será linda. Olha só essa pétala pálida na sua cabeça! – Apesar de não ter graça nenhuma, todas as outras orquídeas riam enquanto a Rosa olhava com desdém para botãozinho. A pobrezinha não se controlou e começou a chorar. Depois de horas e horas chorando, botãozinho se olhou na água novamente e que susto levou!
- Outra pétala!!!???
Todos se aproximaram para espiar.
- Outra pétala! Eu tenho outra pétala!
- JOE!
- Você está parecendo... – começou a Margarida antes de cair no riso – um coelho!!!
Parecia que uma bomba de gargalhadas tinha explodido. Botãozinho lembrava o que era um coelho, de vez em quando eles apareciam, todos saltitantes. Isso significa que ser parecido com coelho também não é ser linda. Mais uma noite de choro! Seguida de vários dias horríveis nos quais as orquídeas humilhavam botãozinho. E a Margarida, que nem era tão má, ao invés de ajudar, não se continha e se divertia rindo da situação trágica de botãozinho que, aliás, ainda não tinha nome. O outono passou rápido e deixou todo mundo sequinho, amarelinho, alaranjadinho. Hora de dormir o dia todo até a primavera retornar.
- Ai! Eu não vejo a hora de rever a primavera!
- Ela sempre foi volta tão renovada!
- Tão linda!!!!
- Aaaahhhh- Suspiravam as flores em coro.
Botãozinho não se animou com a idéia. Na primavera passada nada de bom aconteceu e era bem provável que nada aconteceria novamente. Tédio. Contudo, ela pensou: “Se a primavera é linda e traz sempre bons ares, talvez ela me ajude!!!!”. Botãozinho adormeceu com o coração cheio de esperança.
Os dias passavam silenciosos e o próprio vento invernal parecia expulsar o inverno: Vai, vai embooooora que a primavera está chegando... As flores acordavam aos poucos, junto com as árvores espreguiçavam-se, o fim do inverno é cheio de bocejos. A primavera chegara com suas tintas, carrega no verde da grama e das folhas, pincela as asas das borboletas e ao se misturar com a última chuva fria faz aparecer um lindo arco-íris e quando a última nuvem acabou de se jogar, imediatamente, o sol fez questão de secar as folhinhas para a primavera se instalar confortavelmente. A música estava no ar, a alegria dos pássaros, calmaria repleta de cantos. Só um detalhe destoava da paisagem. A Margarida comenta com o sapo:
- Joe! Joe! Acorda seu preguiçoso! Você não é planta! Por que dorme tanto também?
- JOE!
- Ah! Esquece! Olha lá, olha lá!
- JOE!
No meio do lago, uma linda flor! Tantas cores misturadas que só era possível aos olhos de todos enxergá-la como branca. Com a luz do sol, uma aura com as sete cores do arco-íris se formava ao seu redor.
- O que é isso????
- Ahhhhhhh... – surpreenderam-se as orquídeas.
A resplandecente criatura abriu os olhos, bocejou profundamente e disse:
- Bom dia Margarida! Bom dia Joe! Bom dia coruja! Bom dia Rosa! – olhou cabisbaixa para as orquídeas – Bom dia...
- BOTÃOZINHO? – gritou a Margarida.
- Oras, mas é claro Margarida, quem poderia... – botãozinho viu seu reflexo na água- ser?
O susto foi tanto que a botãozinho, quer dizer, a flor, desmaiou. Nesse momento, a orquídea roxa alertou:
- Fiquem quietos! Tem gente se aproximando de novo!- A orquídea ainda desejou, em pensamento: “Espero que eles arranquem essa flor horrível do meio do lago”.
Os dois se aproximaram e não tardou que percebessem a nova e ilustre presença na água.
- Olha só que flor bonita! Nunca vi uma igual! – observou a menina.
- É diferente mesmo! É difícil até saber qual a cor exata dela!
- Qual será o nome dessa espécie?
- Não sei... E se for uma espécie nova?
- Se for uma espécie nova quem descobre tem o direito de batizá-la, igual aos astrônomos que dão nome aos planetas, às estrelas. Por que você não escolhe?
- Quem viu primeiro foi você...
- Ah... Mas eu não tenho nenhuma idéia agora...
- Eu sei um nome bem bonito!
- Qual???!!
- O seu nome!
- O meu????
- É, o seu!
A flor do meio do lago ouviu o nome ao despertar e logo chamou a Margarida para contar.
- Vai! Fala logo! Que nome eles te deram?
- Fernanda.

Dia das Crianças

Sol brilhando absoluto no céu, estômago reclamando as más condições alimentares até aquele horário, pé direito da sandália arrebentado. O dia não estava perfeito e para completar o ônibus que vai para o meu bairro saiu do ponto no mesmo instante em que cheguei.
Por isso, qualquer pessoa que se arriscasse falar comigo naquele momento certamente ouviria soar pela minha boca não mais que três fonemas – sim ou não – independente da pergunta. Tudo o que eu queria era chegar em casa. Diálogos estavam fora de cogitação.
Na tentativa de me esconder dos raios ultravioleta que pareciam incidir com mais intensidade sobre a minha cabeça, me afastei do aglomerado que se formava sob a cobertura do ponto de ônibus para ficar protegida pela sombra de uma árvore. Ali, além de não fritar, ninguém viria falar comigo.
Parecia estar verdadeiramente protegida até ouvir uma voz por trás de mim:
- O Vila Garcia já passou?
- Não – foi minha resposta imediata.
- Não passou ou você não viu?
- Não passou...ou não vi...sei lá...
Depois da minha resposta incerta, silêncio. Pensei que o alguém que estava a procura do “vila garcia”, tinha partido e não mais me incomodaria. Quando meu olhar se voltava novamente para a direção de onde vêm os transportes coletivos, ouço:
- Você ta brava, moça?
- Não.
- Tá com fome?
- Não – embora meu estômago continuasse reclamando a escassez de comida.
- O que é que você tem?
- Nada. Só não quero conversar.
- Você tá triste...
- Não, não é isso. Só quero ficar aqui quietinha. Pode ser?
Ainda sem mirar os olhos na direção do alguém que da procura pelo “vila garcia” passara a investigar minha vida, percebi tratar-se de uma criança, um garoto que, insistentemente, continuou:
- Que ônibus você vai pegar?
- O que vai para o meu bairro.
- E qual é o seu bairro?
Fiquei calada. Acreditei que a ausência de resposta faria o menino desistir daquele diálogo vazio. Alguns instantes de silêncio entre nós seguiram. Antes que eu percebesse o efeito positivo da minha atitude, fui rendida pelo garoto que, saltando a minha frente, disse:
- Quer comprar bala? Duas “tirinha” por um real.
Através dos meus óculos escuros vi um corpo miúdo, longos braços finos, pés calçando chinelos velhos maiores que seu número. A roupa surrada e uma caixinha de balas nas mãos completavam aquele personagem pouco original na crônica diária de qualquer cidade do país. O sentimento de culpa por tê-lo tratado com indiferença – não só naquele momento, mas de certa forma, desde que nascera – foi inevitável. Permitir que aquele diálogo, até então emperrado por minha causa, fluísse era a única forma de me redimir.
- Se eu comprar essa bala o que você vai fazer com o dinheiro?
- Nada...
- Como nada? Alguma coisa você vai fazer com o dinheiro, senão não estaria aqui vendendo.
- Com o seu 1 real não dá pra fazer nada, tia...agora, se você comprar a caixinha inteira, aí sim dá pra fazer um monte de coisa!, disse o garoto em tom de deboche.
- Ahh...espertinho você, hein. Quer que eu compre todas as suas balinhas. Digamos que eu compre todas elas. O que você vai comprar com o dinheiro?
- Pra que você quer saber, tia?, perguntou me olhando e franzindo a testa.
- Curiosidade. Você não estava curioso para saber onde eu moro, que ônibus eu vou pegar, por que eu estava quieta, etc, etc, etc.? (nesse momento o garoto dá um sorriso) Então...sou tão curiosa quanto você. Mas me diz: o que você vai comprar com o dinheiro?
- Não sei...
- Tem certeza?
- Não sei, tia...
- Mais balas?
- Não...
- Sorvete?
- Não...
- Hummm...brinquedo? Sim!!! Você vai comprar um brinquedo! Acertei!?
O menino riu, disse que eu era engraçada. A essa altura já não sabia mais se o ônibus que seguiria para o meu bairro havia passado. Aquela conversa tinha me feito esquecer as agruras daquele dia, até minutos antes, pouco prazeroso. Mas, apesar de já existir uma sutil confiabilidade entre nós, ele hesitava em dizer o que compraria com o dinheiro.
- Ta, tudo bem...não precisa me dizer.
- Não é droga, não tia...”num sô” moleque de rua, não...
- Nem pensei nisso...você é tão pequeno...parece meu sobrinho...
- Qual o nome dele?
- Gabriel...e o seu?
- Everton. Ninguém nunca perguntou meu nome. E o seu?
Estendi a mão para o garoto que assustou com o gesto e demorou alguns segundos para apertá-la. Novamente ele esboçou um sorriso e estendeu sua mão magra de dedos curtos.
- Prazer, Everton. Eu me chamo Fernanda, mas pode me chamar de Fer.
A partir de então o diálogo foi suspenso e meu monólogo predominou. Falei sobre o calor, comentei da semelhança física dele com meu sobrinho e...
- Uma boneca.
- O que?
- To juntando dinheiro para comprar uma boneca.
Meu rosto, já sem o escudo protetor dos óculos escuros, ficou vulnerável à sensibilidade do garoto que deve ter notado a minha surpresa. De fato não esperava essa resposta.
- Não assusta não, tia...opa! Tia não, Fer...eu gosto de é de “impinar” pipa. A boneca é pra minha irmã, a Larissa. Quero dar pra ela amanhã, “de” dia das crianças.
- Mas com o dinheiro dessa caixinha dá para comprar uma boneca?
- Não é só esse dinheiro. To juntando desde que ela fez aniversário em maio. Toda semana minha mãe me dá um real das balas que eu vendo. Toda semana não, porque tem semana que vende pouco, aí não dá. Mas quando a Lara fez aniversário pediu uma boneca e minha mãe não conseguiu comprar. Aí eu falei que eu ia dar uma “de” dia das crianças pra ela.
Sem perceber, Everton me deu um soco no estomago e fiquei algum tempo fora do ar. Quando recuperei os sentidos, perguntei sobre sua família, mãe, pai, irmãos. Descobri que, aos 10 anos, ele só freqüentou a escola até a segunda série, quando foi reprovado por falta. Fora matriculado no período da tarde, justamente melhor horário para vender a guloseima que ajuda compor a renda familiar. O pai não conhece, a mãe doméstica trabalha o dia todo e Larissa fica na creche do bairro em período integral. Os outros 5 irmãos se dividem entre vender balas, engraxar sapatos e trabalhar como ajudante nas feiras livres.
- Você já ganhou boneca “de” dia das crianças?
- Não...faço aniversário dia 6, sempre ganhei um presente só. Pro meu aniversário e pro dia das crianças.
A resposta saiu forçada. Everton é uma criança, não pode estar carregando a responsabilidade de ajudar no sustento da família e de realizar o desejo da irmã, apenas seis anos mais nova.
- E você? Quer ganhar alguma coisa no dia das crianças?
- Ah...papel de seda e bambu pra fazer pipa. Mas eu compro lá na lojinha onde vou comprar a boneca da Lara.
A semelhança com meu sobrinho, a realidade conhecida somente através de estatísticas ali personificada, a naturalidade do garoto ao narrar sua vida e a minha impotência para reverter toda aquela situação me fizeram lembrar o quanto é cruel viver entre desiguais e precisei recolocar os óculos escuros no rosto para esconder as lágrimas que emergiram, incontrolavelmente, dos meus olhos. Everton, distraído olhando o trânsito, não percebeu. Quando alguns ônibus se aproximavam, ele se voltou para mim:
- O Fer...cê vai comprar as bala? Acho que aquele é o vila garcia.
- Você sabe ler?
- Um pouco...mas ônibus vejo pelo número.
Rapidamente dei o dinheiro das balas para o garoto e recusei o troco. Repetindo o gesto que faço com as crianças da família, dei um beijo em sua testa. Everton ficou boquiaberto. Quando o ônibus encostou, ele partiu feliz com o dinheiro. Ou com o beijo. Ou com os dois, não sei. Entrou no veículo, pagou o cobrador com moedinhas e correu para a janela de onde gritou:
- Tchau, tia! Ihh...esqueci de novo...(riu)...Feeeeeeeer!!!
Ainda bastante atormentada por tudo aquilo, acenei. Quando o ônibus partia, Everton ainda teve tempo de gritar:
- Feliz Aniversário!!!!
Era dia 11 de outubro. Mas, ainda que tivesse dado tempo, eu jamais conseguiria lhe dizer “Feliz Dia das Crianças”.
* o fato acima é verídico. o texto foi escrito horas depois e publicado somente agora porque tenho notado que tem muita gente precisando perceber a existencia dos Evertons do país...

Voltei!

Não ter leitores frequentes e fiéis às vezes dá a sensação de que toda a produção textual aqui exposta não vale minutos de leitura da vida de ninguém. Mas também dá a liberdade de publicar textos somente quando eu tenho vontade. Quando escrevo, leio e não deleto tudo.
Passei um tempo sem colocar aqui o que fui escrevendo. Não se perdeu grande coisa, confesso. Mas escrever ainda é um dos poucos momentos de abstração total que restam na minha vida. Nessa horas sou menos séria, menos crítica, menos obrigatoriamente responsável. Isso parece contraditório, mas quem me conhece sabe o quanto eu preciso desses instantes de ausência de mim.
Por isso estou de volta. Não prometo um post novo por dia, ou por semana. As coisas vão surgindo aqui sem periodicidade ou sequência - seja qual for ela. Aliás, organização nas idéias ainda me falta. Talvez, esteja justamente nisso, o meu prazer em escrever.

sábado, outubro 14, 2006

Um patuá

Tentando organizar aquilo que é impossível de ordenar (seja qual for o índice), encontrei um patuá. Estava lá, entre bolsas e vestimentas no fundo do meu guarda-roupa. Para quem não sabe, patuá são umas trouxinhas feitas de flanela cujo conteúdo são algumas ervas que carregam em si energia positiva suficiente para nos dar sorte e espantar as urucubacas.
Quando encontrei o tal patuá, coloquei-o entre as coisas que seriam expurgadas do móvel por não terem outra utilidade além de ocupar um espaço já bastante reduzido. Mas antes que o descartasse definitivamente, resolvi resgatá-lo. Independente de dar sorte ou espantar olho gordo era um souvenir com bom acabamento, bonitinho.
No entanto não retornei o patuá ao guarda-roupa. Coloquei-o em minha bolsa, pois, se o propósito é me proteger e atrair coisas boas para minha vida, quanto mais próximo melhor o seu efeito.
No dia seguinte, saí às ruas com meu patuá exalando bons fluidos. Curiosamente, pela manhã, não perdi o ônibus como sempre acontece. Também encontrei pães fresquinhos na padaria no meio da tarde, outra raridade. Além disso, aquela colega de trabalho, que mais parece um mausoléu ambulante, estava sorridente e não falou, em momento algum, das suas duas tentativas de suicídio.
Foi afinal, um dia de sorte.
A noite, a caminho da faculdade, conversando com um amigo, contava-lhe sobre os efeitos do meu amuleto. O cético, evidentemente, riu. Mas o fato é que, para mim, o patuá fez efeito. Acredito em tudo que dizem ter efeito positivo. Aliás, o segredo está em acreditar.
Em tempos em que acreditar no futuro do país, mesmo após o primeiro turno das eleições, é indispensável para não morrer de tédio ou fugir para as montanhas frias do Tibet, recomendo que seja feito um patuá para o Brasil. Uma trouxinha cheia de ervas poderosíssimas, benzidas por um bom pai de santo, para espantar todo e qualquer mau agouro e sugar para cá toda a energia positiva, toda a sorte do mundo. Afinal, quem disse que o país para crescer precisa de gente competente para desenvolver projetos políticos realizáveis??
Dia 28, vou à urna digitar os dois números que são necessários para eleger o novo presidente. Se eu acredito no meu candidato?? Como eu disse acima, acredito em tudo que dizem ter efeito positivo. Por isso, para mim, o melhor projeto desenvolvimentista para o Brasil é, sem dúvida, um patuá.

domingo, setembro 24, 2006

Até...

Bom dia!
Eu sei que você tem preguiça de ler meus bilhetes extensos e prolixos mas esse é necessário...
Não esqueça de molhar a Judite. Samambaias, assim como nós humanos, não sobrevivem muito tempo sem água. E você sempre esquece disso. Antes de sair para o trabalho pegue as correspondências e o jornal. Lembre-se de ser simpático com o porteiro e dizer-lhe bom dia. Não deixe que todo o condomínio saiba do seu mau humor matinal.
O capuccino está do lado esquerdo do armário, e não direito como você sempre fica vários minutos com a porta aberta procurando. As duas fatias do meu pão integral que sobraram, faça um esforço e as coma. Não é legal jogar comida fora. O lixo deve ser levado para baixo às segundas, quartas e sextas-feiras. Latinhas, long neck e embalagens plásticas são recicláveis, por isso coletados somente aos sábados. Não se esqueça que na primeira e na última quinta-feira do mês a Tereza vem para a faxina. Nesses dias vista-se antes de tomar café da manhã, caso não queira ser processado por assédio sexual.
Coloque chinelos para sair do banheiro. Você molha todo o chão do quarto e o piso fica escorregadio. E de hoje até não sei quando não vai ter ninguém para te socorrer se cair e bater a cabeça na quina do criado mudo. E pare com essa mania de pendurar a toalha na janela. Eu sei que estética do lar não é prioridade na sua vida, mas não desperdice o pouco de organização que eu deixei.
Caso procure, os discos do Cartola continuam no mesmo lugar. Estão todos, ou melhor, quase todos lá. “Ainda é cedo amor, mal começaste a conhecer a vida”, desculpa, não resisti e peguei esse para mim. Mas em troca eu deixei Estorvo para você. Sim, eu sei que detestou. Presentes, no entanto, não se recusam. Fique com o meu ingresso daquela peça que estréia semana que vem. Até lá certamente você encontrará companhia.
No domingo à tarde, toque seu contrabaixo e sinta falta de alguém gritando gol e xingando o juiz enquanto assiste futebol na TV. Perceba a ausência daquele perfume que te fazia espirrar e do secador sobre a pia do banheiro. A partir de hoje, durma do lado direito da cama e veja que o desnível no lado esquerdo do colchão existe, e aquele regime que está adiando há meses é realmente necessário.
Não recite Fernando Pessoa para mais ninguém. Lembre-se, sempre que for passar o último capítulo da novela das oito, que “por mais inteligente, moderna e cult que eu seja preciso de um pouco de fantasia na vida” e ria dessa “desculpa esfarrapada de quem é noveleira há cinco gerações”. Quando for assistir pela enésima vez Embalos de Sábado à Noite, erga a TV no máximo (mesmo que sejam 4 da manhã e que todos os apartamentos sejam incomodados pelo barulho) quando tocar How deep is your love e lamente por não ter com quem dançar.
Poupe dinheiro para conhecer as Pirâmides do Egito e New Orleans. Adie a reforma do apartamento porque talvez o Tom ou a Nina demore mais que dez anos para chegar. Deixe guardada a minha caneca pink, mantenha nossas fotos nos porta-retratos e não apague da memória nenhum momento em que compartilhamos nesses mais de três anos.
Tente seguir as recomendações acima. Não sei quando eu volto. Não sei se volto. Se isso acontecer, lembre-se de contar para todo mundo que um dia você foi feliz ao lado de uma pessoa que te ama imensamente. Diga também que o amor não é um combinado de sensações com prazo de validade idêntico para os dois. E que, infelizmente, o seu prazo venceu bem antes do meu.
Se cuida.
Beijos
E até um dia...

domingo, agosto 13, 2006

Eu lhes amo!

Guardei o quanto pude. Segurei para mim esse sentimento porque sabia que ele podia causar reações diversas, nem sempre agradáveis, quando viesse à tona. Mas hoje decidi revelar.
Eu amo, não apenas uma, mas três mulheres. Isso mesmo. TRÊS. Simultaneamente e na mesma proporção. Elas sabem disso. Delas eu nunca escondi. E posso garantir que sou correspondida, na mesma proporção, por todas. Não há ciúme, nem competição. Amo cada qual da maneira que elas merecem.
Aos desavisados que devem estar boquiabertos neste momento, lamento informar que não se trata aqui de uma revelação bombástica sobre um caso homossexual poligâmico. O amor ao qual me refiro é o amor fraterno, de amiga, de irmã que eu dedico a essas três encantadoras criaturas.
Carol, Julia e Silvia. Essas três malucas – para ser amiga dessa que vos escreve tem que ser insana, caso contrário a amizade não resiste por muito tempo – são completamente diferentes entre si, mas em cada uma eu encontro a medida necessária para manter o meu equilíbrio.
Carol é delicada, meiga, elegante. Nossas idéias parecem parte de um quebra-cabeças. Encaixam-se sempre. Juntas formamos uma dupla perfeitamente sincronizada na faculdade. Ela adora Manuel Bandeira. E eu nunca tinha prestado atenção nele. Carol é uma forte guerreira. Sobrevive ao meu mau humor de final de semestre, a minha apatia de segunda-feira e ainda jura que me acha divertida.
Julia é de uma aparente serenidade. Fala mansa, olhar tranqüilo, mas tem uma visão de mundo bastante crítica, embora pouco fale sobre isso. Ama Beatles, Indiana Jones e o Bruno. É mais nova, mas tem um romantismo dos tempos da minha vó. Com isso me ensina a ser romantica também. E isso é lindo.
Silvia, além de ser minha psicóloga de final de semana, é uma revolução ambulante. Odeia a direita, odeia a esquerda. Não, ela é não centrista. É apolítica. Canta lindamente e escreve muito bem. Seus textos me chocam. E sua musica me comove, sempre.
Digam o que quiserem. Insensíveis, podem achar que é exagero. Invejosos, deleitem-se com a mais verdadeira amizade. Elas são minhas confidentes, minhas companheiras e sempre amigas. O tempo, o destino, a vida vão nos separar fisicamente em breve. Mas acima da matéria está o sentimento. Inesgotável, pleno, eterno amor por vocês.

domingo, julho 16, 2006

Cabeçada

Até o final da copa, eu acreditava que os melhores remédios para “saco cheio” eram massagem, chás ou exercícios físicos. Mas Zidane provou que é realmente um mestre e me ensinou que para momentos de tensão nada melhor que uma cabeçada. Certeira, rápida e precisa. Bem no centro do alvo.
Peço desculpas aos politicamente corretos, mas aquilo pra mim não foi um ato de violência. O que vi naquela cena foi a expressão máxima do foda-se. Foda-se o que os outros vão dizer, foda-se o que pode acontecer, foda-se, inclusive, o cartão vermelho! Sem pensar nas conseqüências, o francês em poucos segundos acabou com a possibilidade de vitória do seu time, manchou o final da sua carreira e ganhou o título anti-herói do futebol mundial. Em compensação, não guardou mágoas e fez aquilo que algum dia já tivemos vontade de fazer com o chefe, a sogra, o irmão, o vizinho, o gerente do banco, o casamento, a sociedade, algum projeto, ou qualquer outra figura ou situação que nos tenha deixado putos da vida.
Ao contrário do que muitos pensam, não vejo esses atos impulsivos como desequilíbrio emocional. Desde que não causem a morte nem machuquem ninguém fisicamente, eles são fundamentais para tornar a vida mais leve. Para mim isso é justamente uma forma de chegar ao equilíbrio. Enganam-se aqueles que se consideram a própria balança da justiça só porque são incapazes de levantar a voz ou franzir a testa mesmo quando estão tomados pela cólera.
Por isso joguei fora os florais e as técnicas de meditação. E aconselho todo mundo fazer o mesmo. Vamos parar de armazenar aquilo que nos aborrece e nos torna pesados e rancorosos. Sempre que um Materazzi aparecer em nossas vidas, cabeçada nele. E fodam-se os cartões vermelhos.

segunda-feira, junho 26, 2006

Agradecimentos

À minha preguiça, que me fez adiar a faxina no meu quarto para mais tarde e me incentivou a permanecer sentada lendo o jornal.
Ao Negão, meu cachorro. Graças à sua mijada fenomenal no primeiro caderno, meus olhos tiveram contato direto com o caderno de cultura.
À Silvia, grande amiga, por seu telefonema que me incentivou sair de casa para ver aquilo que parecia previsível.
À seleção da Argentina, que manteve todos os olhos agourentos (inclusive os meus) voltados para a tela da TV enquanto jogava, possibilitando um atraso incomum no início do evento.
Sem o incentivo de vocês eu não teria participado da apresentação da Orquestra Infantil de Tambores de Aço (“steel drums”) da St. Xavier’s Private School, de Trinidad e Tobago, um dos melhores momentos vividos por mim esse ano e, lamentavelmente, compartilhando com não mais que quarenta pessoas. Um evento gratuito, divulgado às pressas, mas que eu não me perdoaria se tivesse perdido.
E é pelo enriquecimento do meu repertório cultural, que até então ignorava a existência dos tambores de aço;
pela alegria em saber que Calipso é um ritmo de Trinidad e nem nos acordes mais desafinados lembra aquilo que se chama pelo mesmo nome aqui no Brasil;
pela possibilidade de ver de perto que não é preciso esperar o Estado agir para se ter um projeto cultural rico;
e, sobretudo, por permitir que meus olhos admirassem a beleza daquelas pessoinhas, alegres profissionais na arte de um som que encheu minha alma da melhor energia, que eu lhes dedico os meus mais sinceros agradecimentos.

domingo, junho 18, 2006

Fim de caso

Eu não sei como sobrevivi a isso durante tanto tempo. Foram seiscentos e quarenta e oito dias sendo implacávelmente controlada por você. Dominou meus pensamentos, minhas atitudes. Tudo o que eu mais gostava de fazer, só era possível com seu consentimento. Uma relação sufocante, que foi me levando à loucura e hoje, definitivamente, eu resolvi dar um basta.
Tudo começou sem maiores pretensões. Num momento de crise, foi meu salva-vidas. Recorri a você outras vezes e as coisas foram tomando proporções maiores. Quando eu vi, já estava inteiramente dependente de você.
Fui dominada. Você tolhia as minhas vontades, submetia meus desejos às suas condições. Eu perdi a autonomia até mesmo para comprar um souvenir na banca da esquina. Cansei das suas cenas. Você me expôs ao ridículo quando, naquela loja na semana do natal, gritou para a atendente que eu não poderia jamais, em hipótese alguma, levar aquela blusa. Ela, constrangida diante da minha total submissão, recolheu a mercadoria. E eu, triste pelo que acabara de acontecer, voltei para casa de onde não saí mais para as compras.
Você passou do limite. E eu atingi o máximo da minha paciência. Por isso, analisei friamente a situação, reestruturei toda a minha vida para poder te dizer: Chega! Vou respirar mais suave, caminhar mais leve, vou, enfim, voltar a viver. Você pode não acreditar, mas toda aquela dependência acabou. Por mais que você insista, não voltará a fazer parte da minha vida. Porque, a partir de hoje, eu sou uma outra pessoa. Livre, independente, feliz e que não precisa mais de você, cheque especial.

sábado, junho 17, 2006

O fim

Aos 22 anos é meio difícil pensar em como se quer morrer. Ainda mais para quem acredita que pode ser o último exemplar vivo de ser humano a receber os próximos habitantes do planeta.
Mas quando acontece a morte repentina de alguém conhecido da mídia, refletir sobre isso acaba sendo inevitável. Pelo menos para mim. Afinal, embora relute em aceitar, um dia eu também vou morrer.
Quero partir - para o céu, inferno, plano superior ou simplesmente pra debaixo da terra - sem dor. Morrer dormindo não seria de todo ruim. Acordaria num ambiente diverso daquele já conhecido e não tardaria a perceber que não estava mais viva. Embora pareça egoísta, pois para os que ficam a perda de alguém amado sem prévio aviso é chocante, ainda acredito que acompanhar o lento declínio da vida seja bem mais doloroso.
Os poucos bens materiais que tenho deverão ser doados, assim como meus órgãos saudáveis. Meus familiares já sabem disso e sempre que morte vira assunto durante nossos encontros ratifico essa minha escolha. Os amigos e amores, quero que guardem todos os momentos relevantes que passamos - bons ou ruins, não importa. E ao invés de tristeza, um brinde. Se é inevitável o fim desta vida, despedir-se dela como quem se despede do ano velho não é incoerente.
Seria lindo se tudo acontecesse assim.
Mas para mim morrer é assustador. Tenho sonhos, projetos, dúvidas que ainda pretendo esclarecer. Meu maior medo é que não dê tempo. Não dê tempo de realizar meus desejos, de vencer um grande desafio, de me declarar para todos que amo. E não só isso. Quanto mais se vive, mais se descobre que há muitas outras coisas para fazer. Por isso, em minha lápide, quero que escrevam "Não deu tempo", porque para mim já não resta dúvida de que não vai dar.

quinta-feira, junho 15, 2006

Primeiro

É a terceira vez que insisto em criar um blog. Essas coisas de internet tem um quê de brochante e logo me fazem perder o tesão por elas. Foi assim com ICQ, mirk e recentemente Orkut (talvez eu encerre em breve minha conta). Não sei quanto tempo essa insistência em me inserir no universo digital vai perdurar. Por enquanto, cá estou novamente criando meu diário virtual.
Não tenham os poucos e talvez inexistentes leitores a ilusão de encontrar aqui textos inteligentes e críticos, poesias com versos alexandrinos ou de vanguarda, contos inebriantes ou qualquer outra coisa verdadeiramente interessante. O espaço servirá apenas para eu tentar colocar em palavras, numa sequência nem sempre lógica, todos aqueles ruídos perturbadores que minha cabeça produz.
Sim, talvez alguma droga farmacológica silenciasse esses barulhos imaginários. Mas enquanto eu preferir brócolis à big mac, nada de remédios. Palavras ainda são o melhor placebo para minha quase loucura.